Fábio,
que sabia o seu nome ser Fábio, estava parado no cruzamento
aguardando o verde do farol, cor que conhecia sob o significado da
permissão da travessia, resultante do impedimento do movimento que
com ele cruzava, o qual se encerrava no signo do vermelho. Ele não
sabia juntar os signos alfabéticos e compreender os significados daí
construídos, mas sabia compreender os significados dos signos
oferecidos pelo cotidiano. Tinha condições de pensar a dialética
ao assumir a permissão do verde e o impedimento do vermelho como
unidade, e dessa contradição simbólica conceber a ordenação do
trânsito à ela externa, apesar de dela ser resultado. Tinha
condições de pensar que dessa contradição ordenadora emergiam as
condições para se sobreviver em um cruzamento, onde o desacordo se
expressaria no violento choque de algum pára-choque contra seu
fêmur.
Não
sabia juntar signos e formar palavras, muito menos extrair delas as
ideias que constituem uma ordem de despejo; não detinha a habilidade
comum às gentes ricas de elaborar falas repletas de argumentos
ancorados em convenções sociais concretizadas pela mais sólida
tinta preta impregnada nas folhas de papel do livro que detém em seu
interior as normas que regem os passos daqueles que as conhecem e as
desconhecem. E isso o oficial de justiça que, com meias palavras e
três quartos de papel, gerou mais um sem teto pode constatar: “gente
pobre e sem educação; que podem eles fazer senão ser esteira dos
ricos?”. Pensava isso, pois sabia das intenções da ordem que
carregava. Sabia do condomínio que seria construído pela empresa de
capital aberto em cujas ações constavam não só o nome do juiz que
assinou a ordem, como de grande parte dos funcionários públicos que
trabalhavam no fórum. Não parece estranho pensar que a injustiça é
essência da ordem que ora vivemos.
Sinal
verde. Fábio atravessa o cruzamento, vai para frente do fórum.
Reflete o reflexo de si refletido nos olhos dos transeuntes que
refletem a ordem através de suas roupas bem alinhadas, unhas e
barbas feitas, cheiros não naturais e forma peculiar de perceber sem
demonstrar. Tira de sua bolsa um tijolo envolvido num pedaço de
papel grosseiro que antes envolvera seu café da manhã. Lança-os,
pedra, papel e ira, em direção aos vidros espelhados do órgão
público, e o som da explosão oca do vidro reverbera pelo ambiente
aparentemente inócuo e racional. Um funcionário corre para
averiguar o acontecido, vê o tijolo, o vidro quebrado, o
papel-embrulho; abre o papel e vê apenas rabiscos. Nada entende.
Fábio entendeu.