terça-feira, 27 de novembro de 2012

Cotidiano 2


    Fábio, que sabia o seu nome ser Fábio, estava parado no cruzamento aguardando o verde do farol, cor que conhecia sob o significado da permissão da travessia, resultante do impedimento do movimento que com ele cruzava, o qual se encerrava no signo do vermelho. Ele não sabia juntar os signos alfabéticos e compreender os significados daí construídos, mas sabia compreender os significados dos signos oferecidos pelo cotidiano. Tinha condições de pensar a dialética ao assumir a permissão do verde e o impedimento do vermelho como unidade, e dessa contradição simbólica conceber a ordenação do trânsito à ela externa, apesar de dela ser resultado. Tinha condições de pensar que dessa contradição ordenadora emergiam as condições para se sobreviver em um cruzamento, onde o desacordo se expressaria no violento choque de algum pára-choque contra seu fêmur.
    Não sabia juntar signos e formar palavras, muito menos extrair delas as ideias que constituem uma ordem de despejo; não detinha a habilidade comum às gentes ricas de elaborar falas repletas de argumentos ancorados em convenções sociais concretizadas pela mais sólida tinta preta impregnada nas folhas de papel do livro que detém em seu interior as normas que regem os passos daqueles que as conhecem e as desconhecem. E isso o oficial de justiça que, com meias palavras e três quartos de papel, gerou mais um sem teto pode constatar: “gente pobre e sem educação; que podem eles fazer senão ser esteira dos ricos?”. Pensava isso, pois sabia das intenções da ordem que carregava. Sabia do condomínio que seria construído pela empresa de capital aberto em cujas ações constavam não só o nome do juiz que assinou a ordem, como de grande parte dos funcionários públicos que trabalhavam no fórum. Não parece estranho pensar que a injustiça é essência da ordem que ora vivemos.
    Sinal verde. Fábio atravessa o cruzamento, vai para frente do fórum. Reflete o reflexo de si refletido nos olhos dos transeuntes que refletem a ordem através de suas roupas bem alinhadas, unhas e barbas feitas, cheiros não naturais e forma peculiar de perceber sem demonstrar. Tira de sua bolsa um tijolo envolvido num pedaço de papel grosseiro que antes envolvera seu café da manhã. Lança-os, pedra, papel e ira, em direção aos vidros espelhados do órgão público, e o som da explosão oca do vidro reverbera pelo ambiente aparentemente inócuo e racional. Um funcionário corre para averiguar o acontecido, vê o tijolo, o vidro quebrado, o papel-embrulho; abre o papel e vê apenas rabiscos. Nada entende. Fábio entendeu.

Cotidiano 1

          Pois é.
          Pararam por ali.
          Do beco tiririca sai só um.
E o outro?
              No momento virou carne encharcada.
              Depois vêm os abutres.
              Digerem a carne e cagam notícias.


   A merda é redigerida.
       Os famintos se saciam.
            Vomitam...
       ... na cara dos famintos que dão a carne comida.


                         Como é bom nosso lar!,
                         saber das coisas e poder ajudar os pobres enfurecidos por seu pouco conhecer.


                              E vomitam nos círculos comuns a lavagem ingerida por meio do alimento dos abutres.
                             
                              Como conhecemos, como conhecemos!


- Podemos ajudar?
- Sim.
- Como?
- Parem de comer e acabem convosco!

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Poema 2







Apalpado o movimento do breu que recai
pelas dezenove tantas horas ou mais
surte o som do estalo da brusca queda
do esparramado vazio lúmen de pedra.

Onde estamos, pergunta voz.
Eco.

Poema 1




ando às voltas com o como ser

                                          ser com quem ando

                                                                      de volta e meia num pé só

...

separei em ruas coisas di(zi)(vidi)das
juntei em pontes a soma

                                  preambulei ambulante bastante abastado da poesia derramando umas letras pelos                   cantos

                                  e os Cantos  sorveram cada som da esterilidade do símbolo do êmbolo das luzes
dos postes

                                                                    e carros

                                            e ômnibus

                e celulares.


abutre de noite não voa que morte não gosta de a toa



                                                               chega então o Sol,

e êmbolo inerte vida ganha.